Da bagunça e do pó

sábado, 18 de outubro de 2014.
Tardes de sol e de chuva, um casarão gigantesco, para um pequeno ser, que a cada visita estava um algo maior, por dentro e por fora. Por fora grandes olhos, vários. No útero, que muitas crias deu, vários favos, até o teto, cheios do melhor mel que pode haver.
A lembrança de velhas cadeiras e mesas. Verdes vermelhas, amarelas, laranjas, azuis. Sempre dos tons mais berrantes possíveis. Que pareciam menores e menores com o passar do tempo. E a cada vez mais descascadas. A cada passo, toque, suspiro, piscada, subia o pó. Pó no qual estão gravadas as digitais das mais variadas gentes, e de pelo menos uma pequenina. Pequena demais pra segurar os livros.
Os livros sempre fora de seus lugares, escondidos na mais bela bagunça, o passar dos dedos pelas lombadas, que tantos dedos já sentiram, guardava caras surpresas. Um ser crescendo entre nomes, palavras, páginas, capas, contracapas, lombadas. Sorrisos e lágrimas.
Hoje, os olhos estão cerrados. A vida pulsa. Latente. Fraca. Em coma. Mas resta esperança. E temor. A velha amiga se opera, em longa cirurgia. Esperança de rever abertos os olhos que viram a mudança ao redor. Temor pela bagunça e pelo pó ancestral. De terem esterilizado o útero. Medo de terem lhe dado apenas sobrevida, sem as marcas do tempo que viu passar. Só resta a saudade da bagunça e do pó.

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