Pietrus Apostollum

domingo, 9 de outubro de 2011.
 1

         Ele não viu nada, ele não pensou, ele era pago para aquilo, ele jurara proteger aquele homem. Ele jurara matar e até mesmo morrer, se isso fizesse aquele Ser sacro permanecer vivo, e foi isso o que ele fez, não hesitou, ele sentiu que o salvara, mas sentiu também que por isso iria perder a vida, ele viu suas lembranças passarem diante dos seus olhos, cada vitória, cada derrota, cada sonho realizado e cada sonho esquecido, mas o maior deles ele realizara. Ele era um membro da Guarda Suíça, o mais nobre e vistoso exército entre todos os outros, ele morreria cumprindo sua missão, mas seus receios também estavam lá. 
          Sua namorada, Antonietta, aguardara os dois anos de fidelidade a guarda. Faltava pouco mais de um mês para que ele pudesse assumi-la para todos, mas ele nunca faria isso, porque ele não viveria mais. Ele sentiu a morte mais próxima, a multidão que o cercava não importava mais, ele estava se entregando aos braços da morte, não gélidos e amedrontadores, mas calorosos e afetuosos, sua alma podia seguir em paz, ele cumprira seu papel, e o que não conseguira cumprir não era função dele, e então seguiu a morte de bom grado, rumo a uma nova etapa de sua existência.

2

           A morte dele foi um turbilhão, o Papa o condecorou, ajudou sua família, mas nada fizera pela pobre Antonietta, mas também pudera, ele nem sabia de sua existência. Ela há muito tinha perdido quase toda sua família, só havia restado uma tia avó, que era obcecada por coelhos, com a qual morava.
         Mas não era apenas isso, um mês depois da morte dele, ela descobrira que estava grávida dele, coitadinha, ela não queria estragar a imagem de “herói” do seu amado, que altruísta. Então ela não tentou informar a família do Vincenzo, o que diriam os bons e católicos Plantard’s se soubessem que seu filho teve um filho antes do casamento, seria um desastre.
             Ela continuou a viver com sua tia, começou a trabalhar como balconista de um café famoso, ganhou o afeto do chefe que a auxiliou em sua gestação. Ela era filha que ele nunca tivera. O bebê nasceu, chamaram-no de Luigi, era inegável a semelhança com sua mãe, ao não ser pelos olhos, eles tinham o mesmo tom de castanho que os do pai.
            Sua tia avó faleceu subitamente. A causa foi tularemia, uma doença bastante rara e que pode ser transmitida por coelhos, fatal se não houver tratamento adequado, afinal a casa já estava tão super lotada que a idosa não tinha mais condições de dar uma boa vida aos animais.
               Antonietta era a única herdeira, se é que se pode considerar herança cem coelhos e uma hipoteca que está prestes a tomar a casa. Ela tinha algumas economias que até dariam para pagar a hipoteca, mas ela preferiu comprar uma nova casa com o dinheiro. Ela arranjou bons lares para os coelhos,depois de terem sido eles todos devidamente examinados e tratados, exceto um que era seu xodó.
                Enfim ela e seu filho tinham uma nova vida, ela agora era dona de uma nova franquia do Giuseppe, o café de seu antigo patrão, ele ajudara-a a abrir uma franquia em outra parte da cidade.
             Até aí tudo bem, mas Luigi foi crescendo e começou a querer saber do seu pai, afinal ele tinha ouvido o padre dizer que a única mulher que havia concebido sem “ajuda” de um homem foi a Virgem Maria, e sua mãe não era Maria e sim Antonietta, então ele tinha que ter um pai.
              Ela foi lhe contando histórias enquanto podia, às vezes ele era um marinheiro que perdeu-se no mar, outras um soldado que morreu na guerra, outras vezes um astronauta que ficara preso na lua, mas chegou uma hora que não dava mais para tentar ludibriá-lo com histórias.
           Ela tentou o silêncio, mas não surtiu efeito, Luigi agora tinha 13 anos e não seria tão facilmente enganado. Não havia mais saída chegara à hora de contar tudo. Antonietta dissera como eles haviam se conhecido numa festa 15 dias antes de ele entrar para a Guarda Suíça, e como haviam combinado para suportarem os dois anos de fidelidade que a guarda exigia, contou como não resistiram aos desejos da carne e o conceberam assim um dia antes da morte de Vincenzo, e contou-lhe também como ele morrera.
               O garoto ficou atordoado não disse nada, simplesmente se retirou para o quarto epensou em como o pai dele havia se sacrificado por um homem que não dava o menor valor para ele e que provavelmente nem sequer lembrava-se de sua existência. Pensou também em como sua mãe foi tola em ter se escondido ao invés de ter ido atrás dos seus direitos.
                Ele acumulou o rancor por seu pai, aquele homem já ganhara anos de vida demais com o sacrifício de seu pai, agora era a vez dele se sacrificar por alguém. Ele não podia fazer muito por agora, ele só tinha treze anos, mas quando tivesse idade suficiente, ninguém o seguraria.

3

               Cinco outonos se passaram, Luigi tivera tempo de sobra para montar seu plano. O papa tinha uma sobrinha que adorava, era sua preferidinha. Ele analisou toda sua rotina e percebeu que aos sábados a tarde ela sempre ia a Praça de São Pedro e como quase sempre haviam multidões por lá, então não seria tão complicado burlar a segurança.
                Assim foi feito, Justine foi seqüestrada, o papa entrou em pânico. Luigi enviara uma carta ao papa informando-o um local aonde ele deveria ir para ir recuperá-la. Mas aconteceu algo inesperado Justine desenvolveu A Síndrome de Estocolmo, ela quase que o venerava, ele não perdeu tempo, aproveitou-se disso.
                Paulo VII recebeu a carta e a leu, não hesitou, achou melhor não tentar armadilhas contra o seqüestrador que talvez pudessem matar sua sobrinha, ela era jovem. Ele em contrapartida já vivera muito, sua vida pela dela, assim o seqüestrador propôs, e ele aceitou. O lugar marcado foi uma antiga e pequena casa nos arredores de Roma, não foi difícil de achá-la, o difícil foi sair sem escolta do Vaticano, mas ele conseguira. Ele bateu a velha porta, que abriu rangendo. E deu de cara com um jovem de dezoito anos, que
apontava uma arma pra ele e o amarrou a uma cadeira, ele tinha a impressão que já vira aqueles olhos antes.
       — Seja bem-vindo, Vossa Santidade — pronunciou Luigi com ironia na voz.
       — Onde está Justine? — a aflição estava evidente.
       — Ela está segura, antes nós temos que ter uma conversinha.
       — Tudo bem — falou tentando manter-se calmo, não seria uma boa hora para que
ele se descontrolasse.
        — Lembra-se de Vincenzo Plantard? O homem que morreu por você? — Fúria
ardia em seus olhos.
       — Oh, Vincenzo...— Sim agora ele se lembrara de onde vira olhos como aqueles.
       — Então se lembra, sabe quem eu sou? Sou o filho dele, que ele nunca pôde conhecer, graças a você, sabe pelo que eu passei querendo saber quem era meu pai, e como eu fiquei arrasado depois de descobrir a verdade? Não você não sabe, você não tem como saber. Você jamais poderia sequer imaginar como é.
       — Eu não tive culpa, eu nem sequer sabia que você existia...
       — É claro que não sabia, ele morreu por você e o que importa? Ele morreu e você está aqui. É só isso que importa pra você. Mas agora veio a hora de você sentir o que ele fez por você. Justine, meu amor venha cá, por favor.
          Justine apareceu por uma porta que ficava nos fundos da sala, ela estava nada menos que radiante, com sua pele morena reluzindo, trajava um vestido de algodão simples. Ela correu ao encontro do pontífice e o abraçou 
       — Pensei que ia te perder — disse por entre lágrimas.
       — Justine, meu anjo, venha para junto de mim — ela foi confiante para junto de Luigi — Se você tivesse que escolher com qual dos dois ficar, eu ou seu tio, qual deles escolheria?
      — Você, sem dúvida alguma — Paulo VII ficou desorientado, não podia acreditar
no que acabara de ouvir.
      — Mas como você poderá ser só minha, se ele continuar vivo?
      — Não poderei.
     — Então meu anjo, volte para o quarto — ela o obedeceu imediatamente — Está vendo, você não só vai saber o que é morrer por alguém como também será morto por esse alguém que tentou salvar, e se acha que seus esforços servirão de alguma coisa, está enganado, quando ela matar você eu a matarei.
       — Você não se parece em nada com seu pai que era um homem bom e íntegro — a
voz saiu com uma mistura de raiva e medo.
       — E mesmo assim você o deixou morrer. Justine, venha — ela veio — Justine já que concordamos que não poderemos ser plenamente felizes com esse homem entre nós que não deseja nos ver juntos, o que você acha de matá-lo, para que nossa felicidade seja completa.
       — Acho que seria completamente compreensível — ela realmente não estava mais em pleno domínio de suas faculdades mentais, o seqüestro gerara uma enorme seqüela.
      — Mas Justine, você não pode fazer isso, eu sou seu tio, eu praticamente lhe criei, e ele não te ama, ele te matará depois — falou apressadamente.
         A resposta dela foi se virar para a mesa e pegar a pistola que lá estava repousada, mirou a testa dele. Ele continuava a balbuciar palavras, mas que de nada serviriam, então se ouviu um estrondo e se fez silêncio na sala.
       — Muito bem meu anjo, agora me abrace.
         Não sabia ela que ele enfiaria um punhal diretamente em sua barriga. Uma jorrada de sangue subiu-lhe a garganta, ela olhou para ele e viu o quão tola foi, pena que para ela a lucidez voltou tarde demais. Um tiro na testa finalizou o serviço que a lâmina iniciou.
         Agora o serviço estava completo, tio e sobrinha estavam mortos, mas pelo que ele viveria agora, os últimos cinco anos da vida dele foram apenas para planejar esse momento, e agora ele não tinha mais pelo que viver. O cano do revólver parecia brilhar cada vez mais, ele não resistiu pegou a arma apontou direto em sua têmpora e disparou.

4

          Antonietta estava agora no cemitério visitando os dois homens da sua vida ambos mortos pelo mesmo homem que também jazia eternamente, um motivado por um sentimento nobre de cumprir seu juramento, e o outro pela vingança e pelo ódio. Ela não culpava nenhum dos dois. Ela os entendia, ela só não entendia o porquê de não terem pensado nela que agora estava só. Ela nunca fora realmente amada. Ambos a deixaram para cumprir o que achavam ser seu dever.
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